Sobre(viver): Capítulo 10
7 de novembro de 2011
Dizer eu te amo pra alguém é tão simples e fácil como piscar os olhos a qualquer instante. Porém, esquecemos que o piscar de olhos é um gesto automático e que acontece para descansar temporariamente a nossa atenção, nos tirando assim de ficarmos presos a um pensamento, uma conversa ou uma tarefa. É um modo de relaxar. Então, quando dizemos essa frase, percebemos a gravidade ou intensidade de como isso nos afetará depois assim como se parássemos de piscar? Creio que não. Um eu te amo dito, leva muitas mulheres a cama. Um eu te amo dito, leva uma pessoa a baixar sua retaguarda. Um eu te amo dito, alivia. Um eu te amo dito, causa desespero. Mas quem não gostaria de ouvi-lo? Entretanto, imagine se descobrir que o eu te amo tão manjado, nunca significou nada para quem o disse. Que todas aquelas promessas apegadas a ele, foram falsas e secas e que você acabou presa numa armadilha? Bem, é assim que eu me sinto. Presa numa armadilha.
A dor que eu tinha fingido que era inexistente, continuava ali. Profundamente dentro de mim. Eu queria poder gritar. Procurei a caixa de fósforos. Não estava nas gavetas do armário inferior debaixo da pia. Onde minha mãe os guarda mesmo? Pensei. Ah, no canto superior do armário. Não tinha ninguém em casa, era fácil provocar um acidente. A caixa continha poucos palitos, mas eu só precisaria de um. Risquei o primeiro e comecei a inalar aquela fumaça. Eu precisava acabar com aquela dor. Um suspiro e outro. Sentia o calor do fogo próximo ao meu corpo. Eu sentia falta daquilo, mas era na cama. Comecei a pensar nele. Olhei para o palito que estava aceso em minha mão. Apaguei-o. Eu não precisaria passar por aquilo de novo.
03 de novembro de 2010
Olhei em direção a porta e era o Mateus, que estava lá, tentando chamar a minha atenção. Tentei levantar da cadeira sem chamar muita atenção para não atrapalhar o professor e caminhei em direção a ele. Ele não estava tão diferente do habitual, bermuda listrada e camisa branca. Ele me abraçou forte e segurou a minha mão, guiando-me até a sacada que dava a visão de boa parte do colégio.
- Então você embarca hoje pro Rio de Janeiro? – ele me questiona.
- Vou sim.
- E você vai se encontrar com o Gustavo?
- Vou sim.
- E você o ama?
- Sim. – eu menti. – eu o amo.
- Você acha que tá preparada pra perder a sua virgindade com ele?
- É claro. – menti mais uma vez, mas a verdade é que não estava e nem queria. Eu só estava indo ficar na casa dele porque ficava mais perto dos lugares onde pretendia ir..
- Eu acho que você não deveria fazer isso. – ele me disse, fitando-me com os olhos.
- Porque não? Por acaso você ainda é virgem?
- Não, mas não é por isso. É que eu queria que pra você acontecesse de um modo especial. Você é toda menininha.
- Mas isso é problema meu, não seu. – falei já zangada, quem ele pensava que era?
- Eu sei disso. – abaixando a cabeça já e fazendo carinho na minha mão.
- Você perdeu a sua com quantos anos?
- Foi antes de você. Não foi legal.
- Ah tá. Ei, eu preciso voltar pra aula.
- Tudo bem. – me abraçou mais uma vez e sussurrou. – Pensa no que eu te falei.
Comecei a caminhar de volta para sala e com a voz dele na minha mente dizendo pra eu não perder a minha virgindade. Eu sei que deveria esperar o casamento, mas eu queria ser realmente mulher. E o Gustavo, eu só iria vê-lo mais uma vez e não precisaria ter que encará-lo com cenas embaraçadas. Eu não o amava, mas ele parecia que sim. Então eu tinha que fingir isso.
25 de novembro de 2010
Eu não conseguia acreditar que as minhas aulas já estavam acabando, que eu finalmente tinha encontrado quem eu era e que o meu ano tinha sido o máximo. Era a última peça a ser apresentada no colégio. O meu grupo tinha ficado até altas horas depois do horário vespertino das aulas para podermos gravar em silêncio nosso remake de A Escolinha do Professor Raimundo para a aula de português, não queríamos fazer ao vivo porque era mais fácil de sincronizar e poder sair brilhante o trabalho. Apesar de ter feito com algumas meninas que não gostava, me sentia completa por ter a Hanessa, Nina e Talita ao meu lado. Rimos muito assistindo ao vídeo e a Talita encenando o papel do Professor Raimundo numa versão do nosso querido professor Eriberto versus Srta. Darbus de High School Musical ao recolher os celulares dentro da sala. Eu tinha pegado o papel de patricinha e me encarnava na Sharpay. No meio dos risos, uma mensagem chegava no meu celular. Era o Victor: “hoje a noite você vai ter uma surpresa”. Comecei a me questionar o que era mas não conseguia pensar em nada. Como só seria a noite e precisava curtir aquele momento, deixei pra lá pois talvez pudesse ser o único tempo de sorrisos com a classe antes de eu me mudar pra Hortolândia.
Ao ligar o computador e me conectar no Messenger, tranquilamente por ter sido liberada do castigo. O Victor já estava online mas o que me surpreendia era o seu subnick que carregava o meu nome. Pela primeira vez, o meu nome tinha sido colocado ali e ao lado tinha escrito “you are the only exception”, já que na noite anterior ele tinha dito que se identificava com a música. Eu o tinha dito que também me identificava, por tê-lo tornado a minha única exceção. Fui falar com ele e ele não respondeu. Invés disso, meu celular tocava no meu quarto. Saí correndo do quarto da minha mãe em direção ao meu, já que ela ainda dizia que o computador precisava ficar visível aos olhos dela e quando fui ver quem ligava, era o Victor, me surpreendendo mais uma vez.
- Eu te amo. – ele disse.
- O quê? – disse surpresa.
- Eu te amo. Eu liguei só pra dizer que eu te amo. Você quer que eu fale de novo? Eu te amo.
- Eu amo você, Victor. – era sincero o que eu dizia. Tinha esperado há muito tempo para dizer a ele. Tinha tentado apagar as mudanças. Tinha esperado. Só não achei que seria ali naquela noite.
- Você o que?
- Isso não vai funcionar comigo.
- Você corta toda a graça.
- Eu te amo.
- Eu te amo muito.
- Eu estou muito feliz, você não faz ideia. Meu coração tá acelerado, parece que vai pular pra fora de mim.
- O meu também. Queria poder te dizer pessoalmente, esperar. Mas eu não consegui.
- Ainda bem que não.
- Droga, a operadora já tá apitando dizendo que os créditos vão acabar.
- Tudo bem, eu entendo. Um dia eu vou te ligar e eu vou passar o dia todo falando com você.
- Eu espero mesmo. Falo com você pelo msn ok?
- Ok.
- Eu te amo, Louise.
- Eu te amo, Victor.
01 de janeiro de 2011
- Já faz quase duas horas que estamos aqui e a ligação parece que não vai cair. – eu disse.
- É verdade.
- Posso cantar pra você?
- Eu adoraria. A Renata já começa a perder ponto aqui.
- Engraçadinho, pois não vou cantar mais não. – disse emburrada por ele ter pronunciado de novo o nome dela.
- Canta pra mim.
- Tá bom, mas não repara na minha voz de sono.
- Sua voz é linda, meu amor. – meu coração saltitava toda vez que ele me chamava de meu amor.
- Lá vai... “Hoje eu preciso ouvir qualquer palavra tua, qualquer frase exagerada que me faça sentir alegria em estar vivo, hoje eu preciso tomar um café ouvindo você suspirar me dizendo que eu sou a causadora da tua insônia, que eu faço tudo errado sempre, sempre. Hoje preciso de você com qualquer humor, com qualquer sorriso. Hoje só tua presença vai me deixar feliz, só hoje.”
Ao terminar, o silêncio reinava. Ele estava emocionado controlando suas lágrimas.
- Eu te amo, já te disse isso hoje?
- Já sim, mas não custa dizer mais uma vez.
- Cadê você aqui do meu lado cantando pra mim?
- Cadê você aqui comigo ein?
- Eu quero muito te ter nos meu braços, Louise. Você é a mulher da minha vida.
- Sou mesmo?
- Não tenho dúvida nenhuma. Aliás, você tem uma voz linda.
Fiquei com vergonha. Se alguma lâmpada se encontrasse acesa, teria certeza que minhas bochechas estariam vermelhas mesmo com minha pele morena. Aquela conversa me fazia bem. Era a primeira vez que eu cantava pra ele. Era a primeira vez que a operadora do celular cooperava pra uma ligação. Era o meu primeiro mês de namoro com o amor da minha vida.
5 de novembro de 2011
"Ás vezes, a saudade do passado é maior do que encarar um futuro sem você", mandei a mensagem pro Victor. Ele estava longe de mim novamente. Já passava da hora que ele estaria em casa e nada. E se ontem não tivesse importado? Eu repetia pra mim: mesmo me magoando, ele me faz bem. Mas como eu poderia ser tão doente a esse ponto? Ficava voltando ao passado e relembrando o quanto eu chorei por ele. O quanto todas aquelas frases apaixonantes dizendo que ele nunca me deixaria e eu respondia que o meu amor seria pra sempre se transformasse num “eu te odeio” ou um “não quero falar com você porque eu já não te suporto”. Nem sequer passaria pela minha cabeça, que existiria um tempo que o adeus se tornaria verdadeiro. Mesmo que não parecesse tão surpreendente pra mim. Eu me recusava a acreditar que tinha sido enganada de novo. Os meus pesadelos da noite anterior continuavam a me assombrar, mesmo com uma mensagem dele dizendo que me compensaria com algo. Tentei me lembrar de que ele dizia que nada iria mudar o que ele sentia por mim. Mas já estava desesperada, pois parecia que o dia anterior tinha sido uma ilusão. Olhava para os lados, o branco do meu quarto me sufocava. Liguei o ventilador. Nada. Comecei a tirar peça por peça até que só restasse uma calcinha folgada. Nada. Abri a porta e a janela que dava de volta pra garagem. Mas o sufoco ainda estava lá. Queria gritar, mas ninguém iria me ouvir. Lembrei de que quando gritava com ele, ele permanecia intacto. Sem responder nada e ao terminar, ele dizia suavemente que tudo iria ficar bem. Todavia, não ficava. Ao decorrer dos dias, a sua frieza surgia mais áspera. O pôr-do-sol estava por vir e aquela sensação de vazio ainda me consumia. Já tinha passado o dia todo sem nenhuma mensagem. Comecei a chorar pra ver se colocava tudo pra fora. Em vão. Pego o celular, tento digitar aquele velho número que aparecia nos favoritos. Tremi. Meu celular cai no chão e o barulho do aparelho batendo contra o piso, estremece. Tento me abaixar para o alcançar mas acabo caindo no chão também. O desespero falava mais alto. A dor volta a me machucar. É maior do que todas as minhas forças naquele segundo. Não era fácil de esquecer todas as mentiras ou brigas. Não era fácil esquecer que tinha sido enganada mais de uma vez. Que a qualquer momento ele poderia desaparecer como tinha feito na semana passada. E se ele não se arrependesse? Aquilo me corroía. Estava desabando. O espaço que antes era preenchido de amor, já havia se ocupado pelo sofrimento. Meu celular começa a vibrar. Olho lentamente. Era ele. Mas eu não conseguia atender. Eu não podia fingir que teríamos bons momentos ali pra frente se aquela dor de futuro abandono me amedrontava. Não mais. Era a minha vez de recusar uma chamada.
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